A janela do eremita
29/09/2015
A vista do Céu torna leves os mais duros sofrimentos.
Um piedoso eremita, que Deus tinha provado com longos e penosos sofrimentos, foi visitado em sua cela por alguns de seus amigos.
Maravilhados da suma tranquilidade e alegria que em seu rosto transparecia, perguntaram-lhe como se mostrava tão alegre e paciente em meio de tantos padecimentos.
Sorrindo, o eremita apontou para a janela da sua cela e disse:
— Aquela janela torna-me suportável e leve toda a dor.
— Como pode ser isto? — perguntou um dos visitantes.
— Por meio daquela janela eu vejo o Céu, e esta vista me conforta e anima a padecer por Jesus Cristo todos os meus sofrimentos.
O sacerdote orgulhoso
na Bretanha, as crianças ouvem contar a lenda da catedral submersa:
"Era uma vez uma catedral bonita, plantada havia muitos anos na beira do mar.
Era a jóia da aldeia, o povo gostava dela. Em dia de festa, mais bonita ficava, cheia de gente, e os sinos dobrando.
"Mas um dia — foi o vento? foi a maré muito forte? foram os pecados da gente que irritaram a Deus? — o certo é que o mar subiu e devorou a catedral.
Depois, durante muitos séculos não se ouviu falar mais da "cathédrale engloutie".
Mas quando era calma a noite, quando não silvava o vento gemendo no arvoredo, nem uivavam os cães na redondeza, se o barqueiro que singrasse aquelas ondas apurava o ouvido, escutava lá longe, vindo do fundo das águas, o claro som argênteo de sinos tocando. Eram os sinos da catedral, que dobravam para as suas festas".
Ora, é um pouco assim com cada alma humana. Quantas vezes esbarramos na vida com um ser abjeto, cheio de defeitos. Pensamos com asco que nada de sadio existe nele. Bastaria, entretanto, aguçar o ouvido para escutar — muito distantes, talvez, mas sonoros e cristalinos — cantarem os sinos dessa "cathédrale engloutie".
O que é preciso é não desesperar de ninguém. É saber descobrir em cada coração o reflexo de Deus que aí existe, ainda que esteja envolto na lama. É saber dar a esse mísero desgraçado a possibilidade de emergir para a vida. Fazer que cantem os sinos da catedral.
A vista do Céu torna leves os mais duros sofrimentos.
Um piedoso eremita, que Deus tinha provado com longos e penosos sofrimentos, foi visitado em sua cela por alguns de seus amigos.
Maravilhados da suma tranquilidade e alegria que em seu rosto transparecia, perguntaram-lhe como se mostrava tão alegre e paciente em meio de tantos padecimentos.
Sorrindo, o eremita apontou para a janela da sua cela e disse:
— Aquela janela torna-me suportável e leve toda a dor.
— Como pode ser isto? — perguntou um dos visitantes.
— Por meio daquela janela eu vejo o Céu, e esta vista me conforta e anima a padecer por Jesus Cristo todos os meus sofrimentos.
O sacerdote orgulhoso
Em velhos dias, havia na Irlanda grandes escolas, nas quais toda sorte de conhecimentos eram ministrados ao povo, e mesmo os mais pobres tinham mais instrução naquela época do que têm hoje os cavalheiros.
Mas, no que se refere aos sacerdotes, sua instrução era das muito altas, de forma que a fama da Irlanda correu todo o mundo, e vários reis de terras estrangeiras costumavam mandar seus filhos até a Irlanda para serem educados nas escolas irlandesas.
Naquele tempo havia um meninozinho que freqüentava uma dessas escolas, e era uma maravilha para quantos o conheciam, pela sua inteligência.
Seus pais não passavam de pobres trabalhadores. Apesar de jovem e pobre, nem filho de rei nem filho de senhor poderia competir com ele em instrução. Os próprios mestres sentiam-se envergonhados, pois quando estavam tentando ensinar-lhe, o menino dizia-lhes coisas que eles jamais tinham ouvido antes, mostrando assim a ignorância deles.
Um de seus grandes sucessos era a argumentação. Ele insistia até provar que o preto era branco, o que levava o interlocutor a desistir, pois ninguém conseguia derrotá-lo na conversa.
Depois ele dava voltas, e mostrava que o branco era preto, ou mesmo que no mundo não havia cor alguma. Quando cresceu, seus pobres pais tornaram-se tão orgulhosos dele que resolveram fazê-lo sacerdote. Conseguiram-no finalmente, embora quase morressem de fome para arranjar o dinheiro.
Não havia na Irlanda outro homem assim instruído, e continuava a ser grande argumentador, como sempre, de forma que ninguém podia enfrentá-lo. Mesmo os bispos tentaram conversar com ele, mas imediatamente o sacerdote mostrou-lhes que eles nada sabiam.
Naquele tempo não havia professores leigos, e eram os sacerdotes que instruíam o povo. Sendo aquele homem o mais inteligente da Irlanda, todos os reis estrangeiros mandaram-lhe seus filhos.
Assim, o homem fez-se muito orgulhoso, e começou a esquecer de quão baixo viera, e — pior do que tudo — a esquecer mesmo Deus, que fizera dele o que era.
A vaidade de argumentar dominou-o, de forma que, passando de uma coisa para outra, chegou ele a provar que não havia Purgatório, e portanto não havia Inferno, e portanto não havia Céu, e portanto não havia Deus.
Por fim, declarou que os homens não tinham alma, não eram mais do que um cão ou uma vaca, e terminavam quando morriam.
— Quem já viu uma alma? — dizia ele. — Se alguém puder mostrar-me uma, eu acreditarei.
Ninguém poderia dar resposta a tais palavras. Por fim, terminaram todos por acreditar que não havia outro mundo, e que toda a gente podia fazer aqui quanto entendesse.
Ele mesmo deu o exemplo, pois tomou uma bela jovem por esposa. Mas, como não encontrou em todo o país sacerdote ou bispo que o casasse, foi obrigado a oficiar o seu próprio casamento. Foi aquilo um grande escândalo, entretanto ninguém ousou dizer uma palavra, pois todos os filhos de reis estavam do lado dele, e teriam matado quem quer que tentasse impedir aqueles atos errados.
Pobres rapazes! Acreditavam nele, e supunham que todas as suas palavras fossem verdadeiras. Dessa maneira, aqueles pontos de vista começaram a espalhar-se.
O mundo todo ia pelo mau caminho, quando uma noite um anjo desceu do Céu e disse ao padre que lhe restavam apenas vinte e quatro horas de vida.
Ele começou a tremer, e pediu mais um bocadinho de tempo. Mas o anjo foi rígido, e disse-lhe que tal coisa não poderia ser.
— Para que desejas tempo, pecador? — perguntou ele.
— Oh! Senhor, tem piedade de minha pobre alma! — insistiu o sacerdote.
— Oh! não! Então tens uma alma? — perguntou o anjo. — Dize-me, por favor: como foi que descobriste isso?
— Ela tem estado adejando em mim, desde que apareceste. Que louco fui em não pensar antes nisso.
— Realmente, um louco — respondeu o anjo. — De que adiantava toda a tua instrução, se não sabias que eras dono de uma alma?
— Ah! meu senhor, se tenho que morrer, dize-me quando chegarei ao Céu.
— Nunca! Negaste a existência de um Céu.
— Então, meu senhor, poderei ir para o Purgatório?
— Também negaste a existência de um Purgatório. Deves ir diretamente para o Inferno.
— Mas, meu senhor, também neguei a existência do Inferno — respondeu o sacerdote — e dessa forma para ali também não me podes mandar.
O anjo ficou um tantinho perplexo.
— Bem — disse ele — vou contar-te o que posso fazer por ti. Poderás agora viver na Terra durante cem anos, gozando de todos os prazeres, e depois ser atirado ao Inferno, pela eternidade. Ou podes morrer dentro de vinte e quatro horas, entre os mais horríveis tormentos, e passar através do Purgatório, ali ficando até o Dia do Julgamento. Isso, se puderes encontrar uma pessoa que acredite. Através dessa crença, a misericórdia te será concedida, e tua alma se salvará.
O sacerdote não levou cinco minutos a resolver.
— Prefiro a morte dentro de vinte e quatro horas — disse ele — para que assim minha alma seja finalmente salva.
Ouvindo isso, o anjo instruiu-o sobre o que devia fazer, e deixou-o.
Imediatamente o sacerdote entrou numa grande sala, onde todos os letrados e os filhos de reis estavam reunidos, e disse-lhes:
— Dizei-me a verdade, e não temais contradizer-me. Dizei-me qual é a vossa crença: os homens têm almas?
— Mestre — responderam eles — houve um tempo em que acreditávamos que os homens tivessem alma, mas graças aos teus ensinamentos, já não cremos nisso. Não há Inferno, não há Céu e não há Deus. Esta é a nossa crença, pois foi assim que nos ensinaste.
Então o sacerdote ficou lívido de pavor, e exclamou:
— Ouçam! Eu vos ensinei uma mentira! Há um Deus, e o homem tem uma alma imortal. Acredito agora em tudo que antes neguei.
Mas as gargalhadas elevaram-se, dominando a voz do sacerdote, pois pensaram que ele apenas os estivesse provocando, para que argumentassem sobre o assunto.
— Prova isso, mestre — exclamaram. — Prova isso. Quem jamais viu Deus? Quem jamais viu a alma?
E o aposento estremecia com as risadas. O sacerdote levantou-se para responder-lhes, mas não conseguiu dizer uma só palavra. Toda a sua eloqüência, todo o seu poder de argumentação o haviam abandonado, e ele nada mais pôde fazer senão torcer as mãos e gritar:
— Há um Deus! Há um Deus! O Senhor tenha piedade de minha alma!
Todos começaram a zombar dele e a repetir as próprias palavras que o sacerdote lhes ensinara antes:
— Mostra-nos, mostra-nos teu Deus.
Ele fugiu dali, gemendo de angústia, pois sabia que ninguém era crente. Assim, como poderia salvar sua alma? Pensou em seguida na sua esposa.
— Ela acreditará — disse consigo mesmo. — As mulheres nunca abandonam Deus.
E foi ao encontro dela. Mas a esposa disse-lhe que só acreditava naquilo que ele próprio lhe ensinara, e que uma boa esposa devia acreditar primeiro em seu marido, acima e antes de todas as coisas do Céu ou da Terra.
Então ele desesperou-se e correu para fora de sua casa, começando a perguntar a todos que encontrava se eles acreditavam. A mesma resposta, porém, veio de cada qual:
— Acreditamos apenas naquilo que nos ensinaste.
A sua doutrina se havia espalhado amplamente pela região.
Então ele ficou meio louco de medo, pois as horas iam passando, e atirou-se ao chão, num ponto deserto, chorando e gemendo de terror, já que o tempo corria e ele teria de morrer. Foi então que uma criancinha aproximou-se dele.
— Deus vos salve — disse-lhe a criança.
O padre teve um sobressalto.
— Acreditas em Deus? — perguntou ele.
— Vim de um país longínquo para me instruir sobre Ele — disse o menino. — Quererá o senhor indicar-me qual a melhor escola que existe nesta região?
— A melhor escola e o melhor professor estão aqui perto — disse o padre, dando seu próprio nome.
— Oh! Esse homem, não! Sei que ele nega Deus, o Céu, o Inferno, e até mesmo que o homem tenha alma, pois não se pode vê-la. Mas eu hei de vencê-lo bem depressa.
O padre olhou ansiosamente para ele.
— E como?
— Bem, eu lhe perguntarei se acredita que tem vida, e pedirei que me mostre a sua vida.
— Mas ele não poderá fazer isso, meu menino. A vida não pode ser vista. Nós a possuímos, mas ela é invisível.
— Então, se temos vida, embora não a possamos ver, podemos também ter alma, embora ela seja invisível.
Quando o padre ouviu a criança falar daquela maneira, tombou de joelhos diante dela, chorando de alegria, pois agora sabia que sua alma estava segura. Encontrara finalmente alguém que acreditava.
Em velhos dias, havia na Irlanda grandes escolas, nas quais toda sorte de conhecimentos eram ministrados ao povo, e mesmo os mais pobres tinham mais instrução naquela época do que têm hoje os cavalheiros.
Mas, no que se refere aos sacerdotes, sua instrução era das muito altas, de forma que a fama da Irlanda correu todo o mundo, e vários reis de terras estrangeiras costumavam mandar seus filhos até a Irlanda para serem educados nas escolas irlandesas.
Naquele tempo havia um meninozinho que freqüentava uma dessas escolas, e era uma maravilha para quantos o conheciam, pela sua inteligência.
Seus pais não passavam de pobres trabalhadores. Apesar de jovem e pobre, nem filho de rei nem filho de senhor poderia competir com ele em instrução. Os próprios mestres sentiam-se envergonhados, pois quando estavam tentando ensinar-lhe, o menino dizia-lhes coisas que eles jamais tinham ouvido antes, mostrando assim a ignorância deles.
Um de seus grandes sucessos era a argumentação. Ele insistia até provar que o preto era branco, o que levava o interlocutor a desistir, pois ninguém conseguia derrotá-lo na conversa.
Depois ele dava voltas, e mostrava que o branco era preto, ou mesmo que no mundo não havia cor alguma. Quando cresceu, seus pobres pais tornaram-se tão orgulhosos dele que resolveram fazê-lo sacerdote. Conseguiram-no finalmente, embora quase morressem de fome para arranjar o dinheiro.
Não havia na Irlanda outro homem assim instruído, e continuava a ser grande argumentador, como sempre, de forma que ninguém podia enfrentá-lo. Mesmo os bispos tentaram conversar com ele, mas imediatamente o sacerdote mostrou-lhes que eles nada sabiam.
Naquele tempo não havia professores leigos, e eram os sacerdotes que instruíam o povo. Sendo aquele homem o mais inteligente da Irlanda, todos os reis estrangeiros mandaram-lhe seus filhos.
Assim, o homem fez-se muito orgulhoso, e começou a esquecer de quão baixo viera, e — pior do que tudo — a esquecer mesmo Deus, que fizera dele o que era.

Por fim, declarou que os homens não tinham alma, não eram mais do que um cão ou uma vaca, e terminavam quando morriam.
— Quem já viu uma alma? — dizia ele. — Se alguém puder mostrar-me uma, eu acreditarei.
Ninguém poderia dar resposta a tais palavras. Por fim, terminaram todos por acreditar que não havia outro mundo, e que toda a gente podia fazer aqui quanto entendesse.
Ele mesmo deu o exemplo, pois tomou uma bela jovem por esposa. Mas, como não encontrou em todo o país sacerdote ou bispo que o casasse, foi obrigado a oficiar o seu próprio casamento. Foi aquilo um grande escândalo, entretanto ninguém ousou dizer uma palavra, pois todos os filhos de reis estavam do lado dele, e teriam matado quem quer que tentasse impedir aqueles atos errados.
Pobres rapazes! Acreditavam nele, e supunham que todas as suas palavras fossem verdadeiras. Dessa maneira, aqueles pontos de vista começaram a espalhar-se.
O mundo todo ia pelo mau caminho, quando uma noite um anjo desceu do Céu e disse ao padre que lhe restavam apenas vinte e quatro horas de vida.
Ele começou a tremer, e pediu mais um bocadinho de tempo. Mas o anjo foi rígido, e disse-lhe que tal coisa não poderia ser.
— Para que desejas tempo, pecador? — perguntou ele.
— Oh! Senhor, tem piedade de minha pobre alma! — insistiu o sacerdote.
— Oh! não! Então tens uma alma? — perguntou o anjo. — Dize-me, por favor: como foi que descobriste isso?
— Ela tem estado adejando em mim, desde que apareceste. Que louco fui em não pensar antes nisso.
— Realmente, um louco — respondeu o anjo. — De que adiantava toda a tua instrução, se não sabias que eras dono de uma alma?
— Ah! meu senhor, se tenho que morrer, dize-me quando chegarei ao Céu.
— Nunca! Negaste a existência de um Céu.
— Então, meu senhor, poderei ir para o Purgatório?
— Também negaste a existência de um Purgatório. Deves ir diretamente para o Inferno.
— Mas, meu senhor, também neguei a existência do Inferno — respondeu o sacerdote — e dessa forma para ali também não me podes mandar.

— Bem — disse ele — vou contar-te o que posso fazer por ti. Poderás agora viver na Terra durante cem anos, gozando de todos os prazeres, e depois ser atirado ao Inferno, pela eternidade. Ou podes morrer dentro de vinte e quatro horas, entre os mais horríveis tormentos, e passar através do Purgatório, ali ficando até o Dia do Julgamento. Isso, se puderes encontrar uma pessoa que acredite. Através dessa crença, a misericórdia te será concedida, e tua alma se salvará.
O sacerdote não levou cinco minutos a resolver.
— Prefiro a morte dentro de vinte e quatro horas — disse ele — para que assim minha alma seja finalmente salva.
Ouvindo isso, o anjo instruiu-o sobre o que devia fazer, e deixou-o.
Imediatamente o sacerdote entrou numa grande sala, onde todos os letrados e os filhos de reis estavam reunidos, e disse-lhes:
— Dizei-me a verdade, e não temais contradizer-me. Dizei-me qual é a vossa crença: os homens têm almas?
— Mestre — responderam eles — houve um tempo em que acreditávamos que os homens tivessem alma, mas graças aos teus ensinamentos, já não cremos nisso. Não há Inferno, não há Céu e não há Deus. Esta é a nossa crença, pois foi assim que nos ensinaste.
Então o sacerdote ficou lívido de pavor, e exclamou:
— Ouçam! Eu vos ensinei uma mentira! Há um Deus, e o homem tem uma alma imortal. Acredito agora em tudo que antes neguei.
Mas as gargalhadas elevaram-se, dominando a voz do sacerdote, pois pensaram que ele apenas os estivesse provocando, para que argumentassem sobre o assunto.
— Prova isso, mestre — exclamaram. — Prova isso. Quem jamais viu Deus? Quem jamais viu a alma?
E o aposento estremecia com as risadas. O sacerdote levantou-se para responder-lhes, mas não conseguiu dizer uma só palavra. Toda a sua eloqüência, todo o seu poder de argumentação o haviam abandonado, e ele nada mais pôde fazer senão torcer as mãos e gritar:
— Há um Deus! Há um Deus! O Senhor tenha piedade de minha alma!
Todos começaram a zombar dele e a repetir as próprias palavras que o sacerdote lhes ensinara antes:
— Mostra-nos, mostra-nos teu Deus.

— Ela acreditará — disse consigo mesmo. — As mulheres nunca abandonam Deus.
E foi ao encontro dela. Mas a esposa disse-lhe que só acreditava naquilo que ele próprio lhe ensinara, e que uma boa esposa devia acreditar primeiro em seu marido, acima e antes de todas as coisas do Céu ou da Terra.
Então ele desesperou-se e correu para fora de sua casa, começando a perguntar a todos que encontrava se eles acreditavam. A mesma resposta, porém, veio de cada qual:
— Acreditamos apenas naquilo que nos ensinaste.
A sua doutrina se havia espalhado amplamente pela região.
Então ele ficou meio louco de medo, pois as horas iam passando, e atirou-se ao chão, num ponto deserto, chorando e gemendo de terror, já que o tempo corria e ele teria de morrer. Foi então que uma criancinha aproximou-se dele.
— Deus vos salve — disse-lhe a criança.
O padre teve um sobressalto.
— Acreditas em Deus? — perguntou ele.
— Vim de um país longínquo para me instruir sobre Ele — disse o menino. — Quererá o senhor indicar-me qual a melhor escola que existe nesta região?
— A melhor escola e o melhor professor estão aqui perto — disse o padre, dando seu próprio nome.
— Oh! Esse homem, não! Sei que ele nega Deus, o Céu, o Inferno, e até mesmo que o homem tenha alma, pois não se pode vê-la. Mas eu hei de vencê-lo bem depressa.
O padre olhou ansiosamente para ele.
— E como?
— Bem, eu lhe perguntarei se acredita que tem vida, e pedirei que me mostre a sua vida.
— Mas ele não poderá fazer isso, meu menino. A vida não pode ser vista. Nós a possuímos, mas ela é invisível.
— Então, se temos vida, embora não a possamos ver, podemos também ter alma, embora ela seja invisível.
Quando o padre ouviu a criança falar daquela maneira, tombou de joelhos diante dela, chorando de alegria, pois agora sabia que sua alma estava segura. Encontrara finalmente alguém que acreditava.
Contou ao menino toda a sua história, toda a sua maldade, orgulho e blasfêmias contra o grande Deus, e como o anjo viera ter com ele e dissera-lhe qual a única forma de salvação, através da fé e das orações de alguém que acreditasse.
— Agora — disse ele ao menino — toma este canivete e enterra-o no meu peito, e continua a golpear minha carne até que vejas o livor da morte em meu rosto. Então observa, pois verás algo de vivo que se destacará de meu corpo quando eu morrer, e saberás que minha alma subiu à presença de Deus. Quando vires isso, apressa-te e corre até minha escola, chama meus alunos para que vejam como a alma de seu mestre deixou o corpo, e que tudo quanto eu lhes ensinei era mentira, pois que há um Deus que castiga o pecado, e um Céu e um Inferno, e que o homem tem uma alma imortal, destinada à felicidade eterna ou à eterna desgraça.
— Rezarei — disse a criança — para ter a coragem de executar esse trabalho.
Ajoelhou-se e orou. Então levantou-se, tomou o canivete e enterrou-o no peito do sacerdote, e enterrou-o e enterrou-o outras vezes, até dilacerar-lhe a carne. O sacerdote ainda vivia, embora a agonia fosse horrível, pois não podia morrer antes que expirassem as vinte e quatro horas.
Por fim a agonia pareceu cessar, e a imobilidade da morte instalou-se no rosto dele. Então a criança, que estava observando, viu uma bela criatura viva, com quatro asas de uma brancura de neve, sair do corpo morto daquele homem e ficar flutuando em torno da cabeça dele. Correu e trouxe os estudantes, e quando eles viram aquilo, ficaram sabendo que se tratava da alma de seu mestre. E observaram, com espanto e temeroso respeito, até que ela desaparecesse a seus olhos, confundindo-se com as nuvens.
Mas as escolas da Irlanda, depois dessa ocasião, ficaram bastante despovoadas, pois o povo dizia:
— Que adianta ir para tão longe, estudar, quando o homem mais sábio da Irlanda não sabia que é dono de uma alma, até o momento em que estava para perdê-la, e só foi salvo através da singela crença de uma criancinha?
— Agora — disse ele ao menino — toma este canivete e enterra-o no meu peito, e continua a golpear minha carne até que vejas o livor da morte em meu rosto. Então observa, pois verás algo de vivo que se destacará de meu corpo quando eu morrer, e saberás que minha alma subiu à presença de Deus. Quando vires isso, apressa-te e corre até minha escola, chama meus alunos para que vejam como a alma de seu mestre deixou o corpo, e que tudo quanto eu lhes ensinei era mentira, pois que há um Deus que castiga o pecado, e um Céu e um Inferno, e que o homem tem uma alma imortal, destinada à felicidade eterna ou à eterna desgraça.
— Rezarei — disse a criança — para ter a coragem de executar esse trabalho.
Ajoelhou-se e orou. Então levantou-se, tomou o canivete e enterrou-o no peito do sacerdote, e enterrou-o e enterrou-o outras vezes, até dilacerar-lhe a carne. O sacerdote ainda vivia, embora a agonia fosse horrível, pois não podia morrer antes que expirassem as vinte e quatro horas.
Por fim a agonia pareceu cessar, e a imobilidade da morte instalou-se no rosto dele. Então a criança, que estava observando, viu uma bela criatura viva, com quatro asas de uma brancura de neve, sair do corpo morto daquele homem e ficar flutuando em torno da cabeça dele. Correu e trouxe os estudantes, e quando eles viram aquilo, ficaram sabendo que se tratava da alma de seu mestre. E observaram, com espanto e temeroso respeito, até que ela desaparecesse a seus olhos, confundindo-se com as nuvens.
Mas as escolas da Irlanda, depois dessa ocasião, ficaram bastante despovoadas, pois o povo dizia:
— Que adianta ir para tão longe, estudar, quando o homem mais sábio da Irlanda não sabia que é dono de uma alma, até o momento em que estava para perdê-la, e só foi salvo através da singela crença de uma criancinha?
na Bretanha, as crianças ouvem contar a lenda da catedral submersa:
"Era uma vez uma catedral bonita, plantada havia muitos anos na beira do mar.
Era a jóia da aldeia, o povo gostava dela. Em dia de festa, mais bonita ficava, cheia de gente, e os sinos dobrando.
"Mas um dia — foi o vento? foi a maré muito forte? foram os pecados da gente que irritaram a Deus? — o certo é que o mar subiu e devorou a catedral.
Depois, durante muitos séculos não se ouviu falar mais da "cathédrale engloutie".
Mas quando era calma a noite, quando não silvava o vento gemendo no arvoredo, nem uivavam os cães na redondeza, se o barqueiro que singrasse aquelas ondas apurava o ouvido, escutava lá longe, vindo do fundo das águas, o claro som argênteo de sinos tocando. Eram os sinos da catedral, que dobravam para as suas festas".
Ora, é um pouco assim com cada alma humana. Quantas vezes esbarramos na vida com um ser abjeto, cheio de defeitos. Pensamos com asco que nada de sadio existe nele. Bastaria, entretanto, aguçar o ouvido para escutar — muito distantes, talvez, mas sonoros e cristalinos — cantarem os sinos dessa "cathédrale engloutie".
O que é preciso é não desesperar de ninguém. É saber descobrir em cada coração o reflexo de Deus que aí existe, ainda que esteja envolto na lama. É saber dar a esse mísero desgraçado a possibilidade de emergir para a vida. Fazer que cantem os sinos da catedral.
O vinho derramado
Havia na Normandia um fidalgo bastante pobre, que só podia dispor de umas poucas moedas para comprar diariamente seu alimento.
Uma certa manhã, verificou que só tinha em casa um pão, e decidiu comprar um pouco de vinho com algumas moedas de pouco valor. Foi à taberna próxima e pediu vinho.
O taberneiro, que era um homem grosseiro e desagradável, serviu-lhe de má vontade um copo de vinho.
Colocou-o na mesa tão bruscamente, que derramou quase a metade. Em vez de desculpar-se, disse com insolência:
“O senhor está com sorte. O vinho derramado significa alegria e riquezas”.
O fidalgo não quis protestar contra aquele mal educado, pois seria trabalho perdido. Mas achou que de algum modo deveria ajustar essas contas, e pediu que o taberneiro lhe trouxesse um pedaço de queijo.
O homem apanhou a moeda bruscamente e foi ao andar de cima buscar o queijo.
Enquanto isso o fidalgo levantou-se, abriu a torneira do tonel de vinho e deixou que ele escoasse livremente, formando uma lagoa vermelha no meio da taberna.
Quando o taberneiro voltou e viu o que acontecera, avançou furiosamente sobre o fidalgo.
Este se defendeu e conseguiu lançá-lo de encontro ao tonel, que caiu ao chão junto com seu dono, entornando o que restava do vinho.
Acudiram vizinhos e soldados, separaram os contendores e os levaram junto ao rei.
O taberneiro falou primeiro e pediu uma indenização.
Antes de dar a sentença, o rei quis ouvir também o fidalgo, que narrou o sucedido com toda a veracidade, e acrescentou:
“Senhor, este homem me disse, quando entornou a metade do vinho que me vendera, que isso era sorte minha, pois vinho derramado significa alegria, e que eu me tornaria rico.
“Pensei então que, se eu me tornaria rico por ter derramado só meio copo de vinho, o bom taberneiro se tornaria muito mais rico e feliz se derramasse meio tonel.
“Cheio de reconhecimento e gratidão, resolvi então abrir a torneira do tonel, e o resto já conheceis”.
O rei e toda a corte se divertiram com a engenhosa justificativa, e o fidalgo foi dispensado sem pagar a pretendida indenização.
A legenda de Zmovit
Era uma terra onde o trigo brotava, louro e farto, em imensas planícies. Também o linho ali crescia. A gente do lugar ocupava-se com a agricultura, e nunca lhe faltava alimento são e frutos gostosos, que a boa terra oferecia generosamente.
Das grandes florestas tiravam a madeira com que construíam suas casas, chamadas isbás.
Apesar de o inverno rigoroso cobrir de neve, durante longo tempo, as grandes planícies, transformando os pinheiros em árvores de cristais que refulgiam ao sol, os camponeses sentiam-se felizes, festejando com cânticos os dias alegres e consolando-se mutuamente quando surgiam as horas de tristeza.
Entre esses camponeses havia um, chamado Piast, homem respeitado e querido pelos companheiros. Era bom e forte, sempre pronto para auxiliar os menos felizes. Esse bom Piast amava ternamente a esposa e o único filho que tinha. O menino se chamava Zmovit, e era uma criança encantadora. A pele fresca e rosada como flor recém-aberta, os cabelos como que feitos de pura seda cor de sol.
Zmovit tinha os olhos azuis. Olhos imensos, puros e claros como duas estrelas. Mas — ai dele! — seus olhos eram estrelas, sim, mas duas tristes estrelas mortas, sem luz e sem calor: Zmovit, o filho do camponês Piast, nascera cego.
Os pobres pais choravam, mas Zmovit nada sabia da tristeza deles. Passava os dias sentado à porta da isbá. Inventava canções e poesias, erguendo a voz meiga, no silêncio das tardes, para louvar as coisas belas que existiam sobre a terra, as coisas que ele não podia ver, mas aprendera a amar através dos olhos maternos.
Ora, na terra do camponês Piast adoravam-se ainda toda sorte de deuses pagãos. Ainda não conheciam ali o único e verdadeiro Deus, e o nome divino de Jesus Cristo nunca fora pronunciado entre aquela gente.
Havia um costume estranho entre eles. As crianças, em vez de receberem o batismo, passavam por uma cerimônia, no dia em que completavam sete anos.
Essa cerimônia consistia em cortar os cabelos, que até aquela data tinham permissão de crescer à vontade. Nesse dia a criança era consagrada aos deuses, e os pais faziam uma bonita festa, convidando todos os vizinhos.
No dia em que Zmovit devia cortar seus cabelos cor de sol, a pobre mãe estava bem triste. Via a despensa quase vazia. Pouco vinho e pouco mel havia, para oferecer aos convidados.
Também os frutos eram escassos, e a carne de que dispunham não daria para satisfazer a todos. A mãe de Zmovit estava triste, porque desejara que a festa de seu filho fosse farta e alegre.
Queixava-se assim a boa mulher, quando lhe bateram à porta dois peregrinos pobres. Vinham cansados e com fome. O casal de camponeses nem por um momento pensou em recusar-lhes hospedagem. Escolheram ambos as melhores frutas e o mais claro mel, para os viajantes desconhecidos. Com isso haveria ainda menos fartura na festa de Zmovit, mas não importava. Antes de tudo estava o dever de caridade.
Terminada a refeição, porém, um dos peregrinos levantou-se e disse:
— Meus amigos, destes com amor, a dois pobres que passavam, o que de melhor tínheis em vossa despensa, não pensando na vergonha que iríeis sentir quando os vizinhos viessem para a festa deste menino e nada encontrassem. Ouvistes apenas a voz do coração, e destes alimento aos famintos e matastes a sede dos caminhantes exaustos. Sois dignos de conhecer o único Deus verdadeiro, Aquele que fez o Céu e a Terra!
Uma grande luz inundou então a cabana. As vestes dos peregrinos tombaram ao chão, e os camponeses, mudos de espanto, viram que ali estavam dois anjos de faces resplandecentes, dois mensageiros de Deus.
Um deles, abrindo a porta da despensa, fez a mãe de Zmovit ver que as prateleiras, momentos antes vazias, estavam transbordando agora de vinhos e de alimentos deliciosos, ricamente preparados para a festa.
Entraram os vizinhos, em ruidoso bando, ataviados com seus coloridos trajes domingueiros, tocando flautas e dançando. Foram chegando e rodeando o casal e seu filho cego.
O mais velho do grupo adiantou-se e fez um sinal. A música e os cânticos cessaram, e em meio ao silêncio respeitoso que se fez, a voz do ancião ergueu-se:
— Amigo Piast, és homem honrado e bom. Nossa gente tem aumentado e nossa tribo já é um povo. Queremos que sejas nosso rei, o primeiro rei desta terra fértil e boa, que se chamará Polônia. Porque Polônia quer dizer planície, e esta é a terra das grandes planícies, cheias de trigo e de sol.
E todos gritaram:
— Viva! Viva Piast! Viva o primeiro rei da Polônia!
Piast chorava, não porque agora era rei, mas por ver quanto o estimavam os seus vizinhos. Contudo, as felizes surpresas ainda não estavam terminadas. Zmovit fora trazido para o meio da casa, e começaram a cortar-lhe os cabelos, conforme mandava o cerimonial do dia.
O pequeno conservava-se imóvel, com os imensos olhos azuis muito abertos e um sorriso angelical nos lábios. Ao tombar o último cacho de seu cabelo cor de sol, ele deu um grande grito:
— Eu vejo, eu vejo! Ó minha mãe, eu vejo!
Então, todos quantos ali estavam tombaram de joelhos. Os anjos peregrinos reapareceram, e disseram:
— Esta criança cega era símbolo deste pobre povo pagão. Ela abre hoje os olhos à luz, como este povo abre o coração a Deus Todo-Poderoso!
E desde então existe um grande país católico, chamado Polônia.
Começou a distribuir golpes com sua espada à direita e à esquerda. Seus homens recobraram o valor que haviam perdido momentaneamente, e redobraram seus esforços. Em poucas horas jaziam mortos todos os mouros que haviam iniciado o combate contra a Santa Fé.
Os cristãos subiram então até Besalu. Quando chegaram a Colsatrapa, sentaram-se para descansar, enquanto contemplavam o panorama de Mirana y Mor. Os soldados elogiaram o Conde pelo seu valor.
Ele porém contestou, dizendo que São Martinho lhe emprestara a espada. Seus homens duvidaram, e ele, para provar a força da espada, deu um forte golpe numa pedra que havia ali, partindo-a em dois.
Essa pedra ainda existe. Hoje é conhecida por "Pedra Cortada".
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Castelinho de Carrouges, Normandia, França. |
Havia na Normandia um fidalgo bastante pobre, que só podia dispor de umas poucas moedas para comprar diariamente seu alimento.
Uma certa manhã, verificou que só tinha em casa um pão, e decidiu comprar um pouco de vinho com algumas moedas de pouco valor. Foi à taberna próxima e pediu vinho.
O taberneiro, que era um homem grosseiro e desagradável, serviu-lhe de má vontade um copo de vinho.
Colocou-o na mesa tão bruscamente, que derramou quase a metade. Em vez de desculpar-se, disse com insolência:
“O senhor está com sorte. O vinho derramado significa alegria e riquezas”.
O fidalgo não quis protestar contra aquele mal educado, pois seria trabalho perdido. Mas achou que de algum modo deveria ajustar essas contas, e pediu que o taberneiro lhe trouxesse um pedaço de queijo.
O homem apanhou a moeda bruscamente e foi ao andar de cima buscar o queijo.
Enquanto isso o fidalgo levantou-se, abriu a torneira do tonel de vinho e deixou que ele escoasse livremente, formando uma lagoa vermelha no meio da taberna.
Quando o taberneiro voltou e viu o que acontecera, avançou furiosamente sobre o fidalgo.
Este se defendeu e conseguiu lançá-lo de encontro ao tonel, que caiu ao chão junto com seu dono, entornando o que restava do vinho.
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Taverna, Provins, França. |
O taberneiro falou primeiro e pediu uma indenização.
Antes de dar a sentença, o rei quis ouvir também o fidalgo, que narrou o sucedido com toda a veracidade, e acrescentou:
“Senhor, este homem me disse, quando entornou a metade do vinho que me vendera, que isso era sorte minha, pois vinho derramado significa alegria, e que eu me tornaria rico.
“Pensei então que, se eu me tornaria rico por ter derramado só meio copo de vinho, o bom taberneiro se tornaria muito mais rico e feliz se derramasse meio tonel.
“Cheio de reconhecimento e gratidão, resolvi então abrir a torneira do tonel, e o resto já conheceis”.
O rei e toda a corte se divertiram com a engenhosa justificativa, e o fidalgo foi dispensado sem pagar a pretendida indenização.
A legenda de Zmovit
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Basílica de Nossa Senhora, na Praça do Mercado, Cracóvia, Polônia. |
Era uma terra onde o trigo brotava, louro e farto, em imensas planícies. Também o linho ali crescia. A gente do lugar ocupava-se com a agricultura, e nunca lhe faltava alimento são e frutos gostosos, que a boa terra oferecia generosamente.
Das grandes florestas tiravam a madeira com que construíam suas casas, chamadas isbás.
Apesar de o inverno rigoroso cobrir de neve, durante longo tempo, as grandes planícies, transformando os pinheiros em árvores de cristais que refulgiam ao sol, os camponeses sentiam-se felizes, festejando com cânticos os dias alegres e consolando-se mutuamente quando surgiam as horas de tristeza.
Entre esses camponeses havia um, chamado Piast, homem respeitado e querido pelos companheiros. Era bom e forte, sempre pronto para auxiliar os menos felizes. Esse bom Piast amava ternamente a esposa e o único filho que tinha. O menino se chamava Zmovit, e era uma criança encantadora. A pele fresca e rosada como flor recém-aberta, os cabelos como que feitos de pura seda cor de sol.
Zmovit tinha os olhos azuis. Olhos imensos, puros e claros como duas estrelas. Mas — ai dele! — seus olhos eram estrelas, sim, mas duas tristes estrelas mortas, sem luz e sem calor: Zmovit, o filho do camponês Piast, nascera cego.
Os pobres pais choravam, mas Zmovit nada sabia da tristeza deles. Passava os dias sentado à porta da isbá. Inventava canções e poesias, erguendo a voz meiga, no silêncio das tardes, para louvar as coisas belas que existiam sobre a terra, as coisas que ele não podia ver, mas aprendera a amar através dos olhos maternos.
Ora, na terra do camponês Piast adoravam-se ainda toda sorte de deuses pagãos. Ainda não conheciam ali o único e verdadeiro Deus, e o nome divino de Jesus Cristo nunca fora pronunciado entre aquela gente.
Havia um costume estranho entre eles. As crianças, em vez de receberem o batismo, passavam por uma cerimônia, no dia em que completavam sete anos.
Essa cerimônia consistia em cortar os cabelos, que até aquela data tinham permissão de crescer à vontade. Nesse dia a criança era consagrada aos deuses, e os pais faziam uma bonita festa, convidando todos os vizinhos.
No dia em que Zmovit devia cortar seus cabelos cor de sol, a pobre mãe estava bem triste. Via a despensa quase vazia. Pouco vinho e pouco mel havia, para oferecer aos convidados.
Também os frutos eram escassos, e a carne de que dispunham não daria para satisfazer a todos. A mãe de Zmovit estava triste, porque desejara que a festa de seu filho fosse farta e alegre.
Queixava-se assim a boa mulher, quando lhe bateram à porta dois peregrinos pobres. Vinham cansados e com fome. O casal de camponeses nem por um momento pensou em recusar-lhes hospedagem. Escolheram ambos as melhores frutas e o mais claro mel, para os viajantes desconhecidos. Com isso haveria ainda menos fartura na festa de Zmovit, mas não importava. Antes de tudo estava o dever de caridade.
Terminada a refeição, porém, um dos peregrinos levantou-se e disse:
— Meus amigos, destes com amor, a dois pobres que passavam, o que de melhor tínheis em vossa despensa, não pensando na vergonha que iríeis sentir quando os vizinhos viessem para a festa deste menino e nada encontrassem. Ouvistes apenas a voz do coração, e destes alimento aos famintos e matastes a sede dos caminhantes exaustos. Sois dignos de conhecer o único Deus verdadeiro, Aquele que fez o Céu e a Terra!
Uma grande luz inundou então a cabana. As vestes dos peregrinos tombaram ao chão, e os camponeses, mudos de espanto, viram que ali estavam dois anjos de faces resplandecentes, dois mensageiros de Deus.
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Anjo com o escudo da Polônia. Basílica de Nossa Senhora, na Praça do Mercado, Cracóvia. |
Entraram os vizinhos, em ruidoso bando, ataviados com seus coloridos trajes domingueiros, tocando flautas e dançando. Foram chegando e rodeando o casal e seu filho cego.
O mais velho do grupo adiantou-se e fez um sinal. A música e os cânticos cessaram, e em meio ao silêncio respeitoso que se fez, a voz do ancião ergueu-se:
— Amigo Piast, és homem honrado e bom. Nossa gente tem aumentado e nossa tribo já é um povo. Queremos que sejas nosso rei, o primeiro rei desta terra fértil e boa, que se chamará Polônia. Porque Polônia quer dizer planície, e esta é a terra das grandes planícies, cheias de trigo e de sol.
E todos gritaram:
— Viva! Viva Piast! Viva o primeiro rei da Polônia!
Piast chorava, não porque agora era rei, mas por ver quanto o estimavam os seus vizinhos. Contudo, as felizes surpresas ainda não estavam terminadas. Zmovit fora trazido para o meio da casa, e começaram a cortar-lhe os cabelos, conforme mandava o cerimonial do dia.
O pequeno conservava-se imóvel, com os imensos olhos azuis muito abertos e um sorriso angelical nos lábios. Ao tombar o último cacho de seu cabelo cor de sol, ele deu um grande grito:
— Eu vejo, eu vejo! Ó minha mãe, eu vejo!
Então, todos quantos ali estavam tombaram de joelhos. Os anjos peregrinos reapareceram, e disseram:
— Esta criança cega era símbolo deste pobre povo pagão. Ela abre hoje os olhos à luz, como este povo abre o coração a Deus Todo-Poderoso!
E desde então existe um grande país católico, chamado Polônia.
A espada de São Martinho
O Conde de Besalu era um valente que derrotou os mouros em muitas batalhas. Onde havia perigo, lá estava ele com seu exército, e não tardava em dar boa conta das turbas infiéis.
Um dia, estando em seu castelo, veio um de seus guardas dizer-lhe que sabia de boa fonte que os mouros subiam de Bañolas em direção a Santa Pau. Imediatamente o Conde reuniu os seus leais, e saiu para enfrentar os mouros e impedir-lhes o avanço.
Quando os encontrou, no mesmo instante arremeteu contra eles com o ímpeto que lhe era peculiar. Mas em pleno combate sua espada se quebrou. Não era o Conde homem que se conformasse vendo pelejar seus soldados, mas não lhe era possível seguir lutando desarmado.
Recordou-se então de que muito perto daquele lugar encontrava-se uma ermida dedicada a São Martinho. Abandonou o combate uns momentos, para dirigir-se a esse lugar. Uma vez ali, ajoelhou-se aos pés do Santo e lhe pediu, com todo o fervor, que ele o livrasse do apuro em que se encontrava.
Estava de joelhos, absorto na oração ao Santo, quando viu que a imagem deste se movia, e São Martinho, sacando sua espada, ofereceu-a ao Conde.
Levantou-se o cavaleiro, todo jubiloso, e para certificar-se do que seus olhos estavam vendo, esticou a mão para pegar a espada. Com firmeza a tomou, e depois de dar graças a Deus de todo o coração, saiu depressa em auxílio de seus homens, que estavam perdendo terreno.
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São Martinho de Tours. Museu de Cluny, Paris. |
O Conde de Besalu era um valente que derrotou os mouros em muitas batalhas. Onde havia perigo, lá estava ele com seu exército, e não tardava em dar boa conta das turbas infiéis.
Um dia, estando em seu castelo, veio um de seus guardas dizer-lhe que sabia de boa fonte que os mouros subiam de Bañolas em direção a Santa Pau. Imediatamente o Conde reuniu os seus leais, e saiu para enfrentar os mouros e impedir-lhes o avanço.
Quando os encontrou, no mesmo instante arremeteu contra eles com o ímpeto que lhe era peculiar. Mas em pleno combate sua espada se quebrou. Não era o Conde homem que se conformasse vendo pelejar seus soldados, mas não lhe era possível seguir lutando desarmado.
Recordou-se então de que muito perto daquele lugar encontrava-se uma ermida dedicada a São Martinho. Abandonou o combate uns momentos, para dirigir-se a esse lugar. Uma vez ali, ajoelhou-se aos pés do Santo e lhe pediu, com todo o fervor, que ele o livrasse do apuro em que se encontrava.
Estava de joelhos, absorto na oração ao Santo, quando viu que a imagem deste se movia, e São Martinho, sacando sua espada, ofereceu-a ao Conde.
Levantou-se o cavaleiro, todo jubiloso, e para certificar-se do que seus olhos estavam vendo, esticou a mão para pegar a espada. Com firmeza a tomou, e depois de dar graças a Deus de todo o coração, saiu depressa em auxílio de seus homens, que estavam perdendo terreno.
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Besalú, a cidade do milagre da espada de São Martinho de Tours |
Os cristãos subiram então até Besalu. Quando chegaram a Colsatrapa, sentaram-se para descansar, enquanto contemplavam o panorama de Mirana y Mor. Os soldados elogiaram o Conde pelo seu valor.
Ele porém contestou, dizendo que São Martinho lhe emprestara a espada. Seus homens duvidaram, e ele, para provar a força da espada, deu um forte golpe numa pedra que havia ali, partindo-a em dois.
Essa pedra ainda existe. Hoje é conhecida por "Pedra Cortada".
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